Crescemos nos apoiando nessa ilusória ideia, mas só tarde na vida descobrimos que fomos enganados, e que as coisas não funcionam exatamente como nos contaram. O curioso é que não importa o quanto essa ilusão nos machuca, reciclamos a história e transmitimos de volta para os mais novos, omitindo toda experiência que nos mostrou o completo oposto.
Vou contar uma história.
Você vai entrar para a escola bem cedo, antes mesmo de ser capaz de construir memórias complexas. Se tirar boas notas você agrada a mamãe, ganha bicicleta de natal e deixa o paizão orgulhoso nos churrascos da firma. Caso contrário, é uma vergonha para a família, fica de castigo e não tem viagem pra praia no fim do ano. A diferença entre a glória e a decepção completa é um seis no boletim.
Com a idade são adicionados cada vez mais elementos, todos construídos como degraus na escada na realização pessoal. Se terminar o ensino médio será mais feliz, passar no vestibular daquela federal? Aí sim, será inesquecível. Mas, todo mundo sabe, pra ser feliz mesmo, só depois de passar num concurso público.
Então, a vida vai sendo construída, como uma série de jogos finitos. Diversos marcos que, juntos - teoricamente - resultam numa vida plena e realizada. Essa construção começa na escola, passa pela faculdade, emprego, carro, celular e até relacionamentos. Se perguntar para qualquer pessoa, ela saberá dizer algo que deseja muito, uma íntima projeção de como será sua felicidade, caso alcance o elemento de desejo.
Esse modelo uma noção ilusória de quanto mais conquistas tivermos, mais feliz seremos. Como uma curva que apenas cresce num gráfico.
Mas a vida não funciona assim.
Quando conversamos com pessoas que alcançaram esses objetivos finitos, eles em geral não estão mais felizes que nós, pelo contrário, já estão se apoiando em outra projeção, um novo degrau que talvez traga essa tão sonhada realização.
O mesmo acontece com nós mesmos, você reconhece a frase “eu era feliz e não sabia?”
Quando chegamos em determinada idade, essa noção de que seremos cada vez mais felizes começa a desaparecer. Alcançamos os tais marcos que a sociedade nos convenceu ser necessários e entendemos que isso não nos deixou mais realizados. Às vezes, o contrário é igualmente verdadeiro, conseguimos aquilo que tanto queríamos e não entendemos porque continuamos tristes.
Surge um misto de confusão e frustração.
A vida consiste de elementos multi-dimensionais, onde praticamente tudo - de todas as direções - influencia como vamos nos sentir, das mais diversas formas.
Às vezes não conseguimos o que queríamos, mas nos sentimos felizes. Em outros momentos conquistamos o que sonhávamos e ficamos tristes, com medo. O sentimento inicial de euforia chega, mas assim que passa, nos sentimos culpados por não estar tão satisfeitos quanto pensamos que estaríamos.
Talvez, devêssemos tratar a vida como um longo jogo infinito, que não pode ser delimitado por passos fixos e específicos.
Dividir mérito em conquistas esporádicas é cruel. Quando falamos em direitos, fica claro que todos devemos ser tratados como iguais, mas quando olhamos cada um dos seres humanos, individualmente, podemos observar quão complexas são suas diferenças.
Se tenho uma criança que é incrivelmente habilidosa em desenho, desde bem novo, me soa incoerente tentar medi-la com a mesma régua que utilizo para um aluno com forte inclinação para matemática. Entendo que o aprendizado da matemática também será importante para o jovem artista, mas não me restam dúvidas de que com o passar do tempo, quando a necessidade se mostrar presente, ele será capaz de buscar e assimilar o que for preciso. Não é como se depois da escola, todos os livros do mundo fossem pegar fogo e desaparecer.
O foco mudaria de passar em provas, para aprender como aprender. Mudamos a necessidade imediata e criamos uma possibilidade futura.
Quando aplico uma prova de matemática para medir igualmente duas crianças, estou condenando um futuro artista a ser visto como incapaz, mesmo com toda sua habilidades para arte, ao mesmo tempo que exalto aquele interessado em matemática. Uma divisão injusta que desconsidera completamente o interesse individual. Não apenas isso, marginalizamos o repetente, que será tratado com desdém até o fim dos anos escolares.
Isso acaba gerando uma cobrança para sermos cada vez melhores, em esferas que em grande parte não nos fazem sentido, nos arrastando por comparações com pessoas que são incrivelmente diferentes entre si.
Não basta ser bom em redação e escrever bem, precisamos ser melhores em tudo. Tirar 10 em matemática, ganhar medalha de ouro no campeonato de judô, desenhar, tocar violão, fazer exercícios todos os dias e ter um corpo sarado, saber tudo de política, entender o mercado de ações e até decorar o nome de todos os Pokemons.
Mas a boa notícia - para a maioria - é que a vida não acaba amanhã - assim espero. O conglomerado de eventos ao longo de uma vida gera uma diferença, mas um único acontecimento raríssimas vezes tem o poder de influenciar o curso do futuro.
Reprovar um ano pode parecer ruim, mas quando estiver com 40 anos, não terá feito nenhuma diferença substancial. Terminar um namoro com aquela pessoa que tanto amava pode parecer o fim do mundo quando temos 16 anos, mas com 35 anos e dois filhos, será apenas uma gostosa nostalgia, acompanhada pela ingênua vergonha de ter sofrido tanto quando ainda tinha tanto a viver pela frente.
Então, por que nos ensinam a dar tanta importância para jogos finitos, e esquecemos de considerar a obra completa, o longo caminho da vida?
Não quero propor aqui uma desistência dos sonhos, de alcançar metas e conquistar objetivos. A ideia simplesmente tirar o peso do resultado imediato, o desespero de estar sempre em destaque, de fingir o tempo todo que sabe para onde está indo ou o que está acontecendo.
Ainda nessa reflexão, me parece que o peso que colocamos em cada um dos desejos é desproporcional aos possíveis resultados que podemos obter, exatamente por estar sempre jogando, nossa sensação de realização cada vez mais para longe, sempre num lugar que jamais poderemos alcançar.
É como andar chutando uma bola, mas só parar quando não precisar mais chutar. O que é o equivalente a estudar, se formar, trabalhar e aposentar, para só então ser feliz, faltando poucos anos para o fim da vida.
Acho fácil, agora, entender que a felicidade não pode morar num ponto futuro. Também não acho prudente determinar um ponto temporal para a existência da felicidade, já que é possível ter felicidade relembrando o passado e projetando o futuro, ou em fatos esporádicos do presente.
Talvez a felicidade seja a construção do processo ao longo da vida, sem muito apego ao que pode vir a ser, aceitando as mudanças e ajustando-se aos resultados, independente de qual seja. Coisas acontecem todos os dias, boas ou ruins. Ficaremos tristes em algum ponto, mais ou menos felizes em outros, mas só podemos olhar o saldo final, quando o jogo estiver para acabar.
Também escreve sobre assuntos variados em seu blog, conta sua experiência empreendedora no QG Secreto e mantém um portal sobre Parkour. Ex-analista de sistemas, hoje tenta encontrar as respostas do universo no bacharelado de física. Pode ser encontrado no Facebook ou por email.
Origem: http://www.papodehomem.com.br/alcancar-o-que-quer-nao-vai-te-deixar-mais-feliz