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A palavra kavanah vem da raiz hebraica kaven, que significa “concentrar”, ou seja, focar nossa consciência sem oscilações. Originalmente, os sábios enfatizavam a importância da kavanah apenas em momentos de reza ou durante rituais. Por exemplo, o rabino Bahya Ibn Paquada – conhecido por seus influentes artigos sobre a ética do século 11 – comentou em sua famosa obra Deveres do Coração que, “quando alguém está envolvido em tais obrigações que empregam coração e corpo, deve esvaziar-se de tudo aquilo que concerne este mundo ou o próximo e de todo e qualquer pensamento que possa distraí-lo”. Mais tarde, o médico e sábio Maimonides poeticamente proferiu: “Qual é a definição da kavanah? Significa esvaziar a mente de todos os pensamentos e imaginar-se como se estivesse diante da Presença Divina”.
Como viver plenamente o presente
Mas como podemos atingir tal objetivo? Por vezes sentimo-nos chacoalhadas de um lado para outro por pensamentos e preocupações – e focar-se nas questões mais elevadas, como as da alma, pode parecer difícil. Entretanto, essa situação não é nova dentro do contexto e ritmo acelerado da vida contemporânea, pois os cabalistas reconheceram-na há muito tempo. Para esse fim, eles ensinaram técnicas diferentes de meditação – indo desde o antigo sistema Merkabah (Trono Divino), passando pela intensa concentração nas letras do alfabeto hebraico, até cantos sagrados combinados com posturas parecidas com as da ioga. Em todos esses métodos, o objetivo final é o mesmo: fortalecer a kavanah.Os primeiros líderes hassídicos entendiam a kavanah como algo extremamente importante. Na visão deles, ela pode ser desenvolvida por meio de qualquer atividade diária, e não necessariamente precisa envolver práticas esotéricas meditativas. De fato, a mensagem central de Baal Shem Tov – fundador do hassidismo no século 18 no Leste Europeu – é a de que a vida cotidiana nos oferece vários caminhos para a felicidade e o crescimento espiritual. Ele ensinou que quando nos dedicamos inteiramente a uma atividade que beneficia os outros, fortalecemos nossa kavanah – até mesmo por intermédio de tarefas como lavar os pratos, arrumar o jardim ou cuidar de uma criança.
O rabino Nachman de Bresolv enfatizou o aspecto da “atenção dirigida”. Ele eloquentemente observou que “nosso mundo consiste de nada além do dia e a hora em que nos encontramos. O amanhã será um mundo completamente diferente”. Em outra ocasião, ele audaciosamente afirmou: “O ontem e o amanhã não existem”.
Os cabalistas criaram muitas parábolas que ilustram a noção de que a kavanah fornece a poderosa habilidade de gerenciar os estresses da existência humana: uma maneira de obter calma em tudo o que fazemos. Há uma linda história hassídica que expressa tal convicção. Um dia, um acrobata foi até a cidade polonesa de Krasny e anunciou que cruzaria um veloz rio andando em cima de uma corda esticada de um banco do rio ao outro. O rabino Chaim Krasner – discípulo de Baal Shem Tov – permaneceu no local e assistiu à perigosa performance. Seus amigos lhe perguntaram: “Por que você está tão fascinado?”
“Eu estava pensando na habilidade do acrobata de submeter sua vida ao perigo”, disse o mestre hassídico. “Você pode pensar que ele faz isso pelo dinheiro que irá receber da multidão admirada, mas não é esse o caso. Se o acrobata pensasse dessa maneira, com certeza cairia no rio e morreria. Ao contrário disso”, comentou o rabino Krasner, “todos os seus pensamentos estão concentrados em apenas uma ideia: equilibrar-se e manter-se ereto sem espera de recompensa. De modo similar, todos nós devemos atravessar a estreita corda da vida”.
*O dr. Edward Hoffman é professor de psicologia na Universidade de Yeshiva, em Nova York, e autor de vários livros já traduzidos para o português, incluindo A Sabedoria de Carl Jung (Palas Athena). Com frequência, vem ao Brasil ministrar palestras e workshops. Contato: elhoffma@yu.edu
fonte: http://casa.abril.com.br/materia/ser-feliz-viver-o-presente
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